Após o período de férias, foi na cidade Invicta que gravámos a 3ª edição do nosso Argo Dive com João Alves Dias, um embaixador acérrimo da cidade do Porto e do nosso país, com uma visão muito global do mundo, tendo vivido em três países e trabalhado diariamente com pessoas de todas as geografias.
O nosso convidado abriu-nos, literalmente, as portas de sua casa, no coração da cidade e falou-nos das diversas áreas de interesse pessoal e profissional, sendo ele um bom exemplo de sucesso em diferentes setores de atividade desde a sua veia empreendedora, até às áreas de grande consumo, luxo, equipamentos industriais e o vinho. Vamos ficar com a opinião transparente e genuína do João, em relação ao mundo e às transformações a que temos assistido no mercado de trabalho.
Esperamos que gostem!
(Caso prefira o formato audio, poderá ouvir a entrevista no link indicado no final do texto).
João, de Portugal para o mundo, ou do mundo para Portugal?
Eu acho que realmente tenho as duas partes. Há um ponto de partida que é o Porto. A cidade do Porto, e estamos a falar também de Portugal, da cultura Portuguesa, da forma como nós estamos perante a vida. A sociedade portuguesa ainda está muito marcada - não de um ponto de vista nacionalista nem de “nós primeiro e os outros depois” - mas sou Português, numa essência, muito orgulhoso de ser português, embora conhecendo todos os defeitos que também temos. E, portanto, é óbvio que há uma parte grande do Porto para o mundo, porque além de Português sou muito “tripeiro”, uma pessoa apaixonada e orgulhosa pela cidade do Porto. Não só de como a cidade está hoje, mas já orgulhoso do Porto que conheci e onde nasci, da forma de ser das pessoas do Porto, acima de tudo, mais do que os monumentos, ou as belezas naturais que a cidade oferece. Muito orgulhoso das pessoas e da sua forma de ser, franca, direta, muito “cara-a-cara” como o portuense é. Portanto, português e do Porto para o mundo…do mundo para o Porto, porque sempre tive uma educação aberta, onde me tentaram fazer ver que existe mais para além daquilo que está mais próximo de nós. Sou uma pessoa religiosa, embora não “fanática”, e sendo católico vejo todos os homens como meus irmãos e, portanto, não me posso fechar ao mundo por olhar apenas para aqueles que estão ao meu lado, portanto a minha educação e base sociológica e religiosa permitiram-me poder olhar o mundo. Tive também a sorte de poder estudar e trabalhar fora, que me fez entender a riqueza da diversidade que existe. E mais uma vez, há uma diversidade obviamente geográfica, e do ponto de vista da beleza dos locais, mas acima de tudo estamos a falar da diversidade das pessoas, que é maravilhoso, porque se fossemos todos iguais, isto era uma “seca descomunal”, um aborrecimento total, e não tínhamos por onde crescer, nem tínhamos outros exemplos para além de nós próprios e daqueles que estavam à nossa volta! O mundo como fator de inspiração e diversidade, como abertura para o outro, para mim é fundamental. Concluindo, a pergunta foi muito bem escolhida: “do mundo para o Porto ou do Porto para o mundo”, apanharam muito bem a minha essência, porque realmente é assim que eu me sinto.
Já viveste em quanto países?
Vivi em 3. Fui de Erasmus, o que foi uma oportunidade fantástica - recomendo a todos os estudantes que atualmente possam fazer Erasmus, que o façam, porque é uma oportunidade de abertura para o mundo relativamente cedo na nossa vida, numa altura em que as nossas ideias ainda não estão “enclausuradas”. Tive a oportunidade fazer Erasmus em Madrid, onde também mais tarde trabalhei na Procter & Gamble. Posteriormente, trabalhei 5 anos na Suíça ainda na Procter & Gamble. Mas o meu trabalho permitiu-me ir muito para além desses locais, tive uma responsabilidade global e trabalhei com pessoas desde os Estados Unidos até ao Cazaquistão, passando por países europeus, outros países do médio oriente, oriente distante, etc… E embora não tenha vivido nesses locais, pude estar em contacto com essas culturas. E hoje, tenho a sorte de embora estar a trabalhar desde Portugal, continuar muito ligado ao mercado global e tenho também a sorte de ter amigos espalhados pelo mundo, que é uma coisa fabulosa! Mantenho ligação com pessoas desde o Japão à África do Sul, China… e, portanto, viver também um pouco do que elas vão vivendo, perceber as implicações das coisas que acontecem no mundo no dia-a-dia delas, e, portanto, não me enclausurar aqui no Porto, nem em Portugal, embora goste muito de estar aqui.
Muitos dos nossos candidatos com carreiras internacionais ou que tenham a oportunidade de viver/interagir com pessoas que estão fora, dizem que depois a relação com Portugal mudou, ficam com uma perspetiva diferente do nosso país. Sentes que isso também mudou depois de teres vivido fora? Quando regressaste sentiste alguma relação com o teu país e com o teu Porto?
Sim. Eu diria até que a relação foi-se modificando durante os anos que estive lá fora. É uma coisa muito natural no ser humano. Nós valorizamos mais aquilo que desconhecemos do que aquilo que conhecemos e tomamos por garantido o que temos. Quando estamos fora, torna-se muito mais transparente as vantagens e “coisas boas” que temos cá, aprendemos a valorizar. Coisas tão simples como ter peixe fresco. Recordo-me perfeitamente de viver na Suíça, onde havia peixe fresco, mas a preços completamente fora da realidade a que estamos habituados cá, o que nos fazia perder a vontade de o comprar. A oportunidade de vir a Portugal e poder comer peixe fresco era uma coisa fabulosa, comecei a dar muito valor a isso, enquanto que quando vivia em Portugal, era garantido. Enquanto estive fora, a minha perspetiva de Portugal mudou muito porque comecei a ver para além do que são as nossas dificuldades, comecei a ver as nossas “vantagens”. Interagindo com outros povos comecei a aperceber-me daquilo que são as nossas “forças”. Portanto, quando voltei, voltei com uma visão muito diferente do que era Portugal. Voltei numa altura de grande crise, 2010, e tenho vindo a assistir a uma grande mudança, este Portugal que tem vindo mudar nestes últimos anos, o que estava naquela altura a começar a acontecer, mas vivíamos num ambiente de depressão profunda, em que as pessoas estavam a passar momentos muito difíceis, mas também se via pessoas a ganharem uma força e vontade “de dar a volta” impressionante, o que antes não tinha reparado. E a verdade é que não dependeu apenas de nós, mas tivemos um papel muito ativo na mudança que o país teve e que está a ter. Nas empresas senti isso, quando cá cheguei comecei a ver as empresas olharem para o mercado de forma global e não apenas para o mercado Português ou Ibérico. Senti a coragem e a vontade de verdadeiramente ir mais longe, muitas vezes até sem saber como. Mas com uma vontade tal, que por vezes passava por cima de muitas “pedras” processuais, burocráticas e de falta de conhecimento. Hoje já conseguimos ver os resultados disso: desde a abertura que o país fez para o mundo, mas também a forma como o mundo já começou a olhar para nós de forma diferente. Aqui, claramente os dois fatores funcionaram em conjunto e claramente vemos um país muito diferente, ainda muito frágil do ponto de vista macroeconómico, que continua a cometer muitos dos erros que estava a cometer anteriormente, mas que melhorou a vários níveis. Orgulho-me de ver o país a ser reconhecido de uma forma diferente por quem está lá fora. Antes era um pequeno país exótico, conhecido pelo Luís Figo e depois pelo Cristiano Ronaldo. Mas agora, quando vamos lá fora já se fala em muitas outras coisas: Porto, Lisboa, turismo. Nota-se um maior interesse em conhecer a nossa cultura e um aprofundar de todo esse caminho que é muito interessante. Portanto sim, vi o país mudar muito, a minha visão do País também se alterou bastante, felizmente para melhor!
Sei que quando vieste para Portugal, um dos teus objetivos era dar raízes aos teus filhos…
Em 2010, o objetivo era ter filhos e que esses filhos tivessem raízes. Essas raízes têm muito a ver com os valores e com o dar-lhes oportunidade de eles saberem de onde são. Não numa perspetiva chauvinista de nos acharmos melhores do que os outros, mas diferentes dos outros, porque somos nós. Nem melhores nem piores, somos quem somos, temos valores muito próprios e como eu e a minha mulher somos muito ligados a esses valores, queríamos que eles tivessem a oportunidade de os ter, como nós tivemos. A verdade é que nós tendo trabalhado lá fora e, em empresas multinacionais, que estão constantemente a mudar de país para país, o que víamos eram miúdos completamente desenraizados, que tinham obviamente vantagens competitivas (falavam muitas línguas, conheciam o mundo de trás para a frente – para eles era tão natural estar em Londres, como em São Paulo, ou em Pequim). Mas esses miúdos não sabiam quem eles eram. E nós sabíamos que não era isto que queríamos para os nossos filhos (sem estar a fazer nenhum tipo de julgamento sobre as escolhas dos outros). Queríamos que os nossos filhos tivessem uma raiz, pudessem ir aos avós – que nós achamos que são uma fonte de sabedoria brutal – e queríamos que eles conhecessem de onde vinham e o que eram. Portanto, arriscamos bastante em vir para Portugal em 2010, porque o país não era o que é hoje, nem existiam as oportunidades que há hoje, tendo sido um risco muito alto do ponto de vista de carreira, mas tínhamos objetivos que considerávamos maiores. E assim aconteceu, neste momento temos quatro filhos, e já começamos a ver no mais velho essa tranquilidade de saber de onde são e esse orgulho de ser de cá, o que quer dizer que foi uma “aposta ganha” ou uma “missão cumprida”. Não pomos em causa que um dia não voltaremos a sair, mas queríamos que nesta fase eles soubessem de onde vinham, o que realmente está a acontecer.
Nós também defendemos e acreditamos muito que para além destas raízes, as próprias organizações e as culturas organizacionais nos influenciam enquanto pessoas. Sentes que as organizações por onde passaste (multinacionais, nacionais), influenciaram aquilo que tu és hoje?
Sem dúvida, e a influência nem sempre foi positiva. Mas eu tive a grande sorte de entrar para uma grande escola quando saí da faculdade, a Procter & Gamble. É uma verdadeira escola a vários níveis: desde a gestão, qualidade dos recursos humanos e aquilo que estes vão aprendendo ao longo da sua carreira através das oportunidades e da formação interna que lhes é dada. Mas eu diria que mais importante, através de uma cultura inclusiva, de diversidade e de respeito pelo outro: não pelo local de onde vem ou pelas escolhas religiosas, sexuais, mas por aquilo que pode dar à organização e pela qualidade do seu input. E isso para alguém que é jovem [eu já tinha uma mente bastante aberta], mas viver essa cultura no dia-a-dia foi fabuloso e marcou-me. Hoje, por exemplo em Portugal, já começamos a ver uma cultura mais inclusiva com as mulheres, embora ainda estejamos muito longe do que do meu ponto de vista é correto. E eu vivi isso em 2000. Eu sentia que uma colega minha, apesar ser do sexo feminino, ou um colega meu apesar de ter outra orientação sexual, iriam ter exatamente as mesmas oportunidades que eu. Viver esta cultura desde tão novo abriu-me muito os olhos, e quando voltei percebi que cá não era uma questão muito generalizada. Não é que eu tivesse a inocência de acreditar que estivéssemos ao nível de uma multinacional como esta, mas fiquei algo chocado quando percebi que estávamos tão longe disso. E então tentei dar o meu contributo da forma que podia, para que pudéssemos atingir uma situação de maior equidade. Não igualdade porque igualdade não existe – partimos todos de pontos tão diferentes que isso não se torna possível.
A equidade, é para ti um pilar fundamental na cultura das organizações?
Sim, porque nos permite a todos trabalhar de forma mais unida e com os objetivos mais alinhados. Já há vários artigos que dizem “culture beats strategy”, e confesso que estou de acordo com isso. Acho que a cultura das empresas é fundamental, mas muito complicada de mudar, portanto quando partimos de culturas, que são do meu ponto de vista menos “produtivas” ou menos “corretas”, aquilo que podemos fazer para mudar é “um grão de areia”. A mudança vai ser sempre muito lenta, porque estamos a falar de pessoas com valores enraizados, que podem ser bons ou maus. Quem achar que consegue mudar uma cultura de forma rápida vai perceber que é impossível e ficar com uma sensação de frustração, portanto temos que perceber que a cultura é de “longo-prazo”. Logo sim, para a mim a equidade na cultura das organizações é algo fundamental.
Sentes que ainda temos muita margem de evolução?
Sim, temos ainda muita margem de crescimento, mas sinto que estamos a mudar e já não estamos onde estávamos há alguns anos atrás. Sinto que a cultura das start-ups, que se tem vindo a desenvolver é fundamental para isso: são miúdos novos que começam desde o zero, por isso, trazendo a cultura certa podem implementá-la desde o zero. Sinto também que muitas start-ups são fundadas por mulheres, ou que integram dirigentes mulheres desde o início. Por outro lado, sinto que ainda não estamos muito despertos para aquilo que é a diferença cultural daqueles que integram as organizações: acabamos por ver que a maioria das pessoas que integram estas empresas vêm das mesmas universidades, dos mesmos meios culturais…
Mas não podemos querer mudar tudo ao mesmo tempo, porque não vamos conseguir, mas acho que já começamos a estar despertos para a questão das diferenças sexuais. Mas vamos depois ter que estar despertos para as diferenças culturais, porque é verdade que ter um determinado destaque tem imediatamente impacto negativo ou positivo na entrada de uma empresa, na subida dentro da empresa. Nós ainda não estamos a fazer esse caminho, mas vamos fazê-lo e pelo facto de trazermos pessoas de outros países (para os quais isto não é visível), e vice-versa, torna-se mais fácil integrar essas pessoas de outras culturas. Mas ainda há um caminho grande a fazer. Não devemos ser inocentes e acreditar que já está tudo feito, nem tão negativos para acreditar que nada está a ser feito.
Há pouco falavas nas start-ups e numa nova geração de empreendedores, que acaba por trazer também uma nova geração de trabalhadores. A nosso ver, sentimos que há uma maior flexibilização quer da parte do trabalhador, pelo menos dos objetivos, quer da parte do empreendedor sobretudo nestas start-ups. Sentes que o mercado tal como o conhecemos hoje vai mudar, quer do lado das empresas quer do lado dos trabalhadores? Sentimos por exemplo uma necessidade de maior equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional, necessidade de se trabalhar a free-lancer, por projetos…
O mercado como conhecemos hoje não vai desaparecer. Há características que se mantêm, mas eu diria que está a mudar, já mudou em muita coisa. Tenho que confessar que há uma parte minha de admiração e até “inveja” sobre esta nova geração, porque eles sabem muito bem o que querem, e não se deixam moldar àquilo que os mais velhos lhes dizem que é o caminho.
A minha geração já mudou alguma coisa face àquilo que eram os padrões anteriores e eu sinto que nesta altura estamos a assistir a uma revolução. É óbvio que perante uma situação destas não surgem só coisas boas, mas também coisas menos boas. Mas tenho que admitir que a vontade que eles têm e a forma como valorizam a sua vida para além do profissional é muito interessante. Eu acho que, nós como sociedade e como pessoas, dependemos muito destas vagas de fundo, porque se fosse só uma pessoa a querer isso, as empresas colocá-lo-iam de lado. Perante uma vaga de fundo, as empresas não têm outra hipótese – têm que se adaptar e que mudar. Há uns tempos atrás estava a reunir com “malta nova” (na casa dos 30) ligada ao mundo da start-ups e aos Recursos Humanos, que me diziam que estavam agora a começar a dar formação aos mais velhos, sobre como gerir e como se adaptar a esta nova vaga de recém formados a entrar agora no mercado de trabalho. Eu ria-me e dizia-lhes: “sinto-me no papel do meu pai, que a brincar se queixava: quando era novo, a comida melhor ia sempre para os adultos que trabalhavam. Agora que sou adulto, a comida melhor vai sempre para as crianças, que têm que crescer. Nunca é o meu momento”. E eu sinto-me um pouco assim, porque quando entrei para o mundo do trabalho diziam-me que eu tinha que me adaptar à realidade, quer fosse trabalhar 12 horas, deixar a vida pessoal de lado… E agora que estou a atingir um certo nível na minha carreira dizem-me tenho que me “adaptar aos mais novos”, que não posso exigir aquilo que me foi exigido. Então qual é o “meu momento”? Qual o momento em que as pessoas se adaptam a mim? Mantenho o meu sorriso, porque isto não é assim tão trágico, antes pelo contrário, vejo estas novas mudanças de forma saudável. Mas é verdade que está a acontecer esta evolução ou revolução, porque há coisas verdadeiramente profundas que estão a ser reconsideradas, e se há aqui uma parte que é complicada de gerir, desde a adaptação, a mudança no dia-a-dia, por outro lado acho fantástico e uma vantagem para as gerações que vêm (e vai ser uma vantagem) porque vão ter que se adaptar acima de tudo ao mundo em que os trabalhos importantes são aqueles que trazem criatividade, que não vem com “número de horas colocadas” mas sim “colocar as horas certas no momento certo”. Porque tudo aquilo que são funções repetitivas, os computadores e robots vão substituir – é uma máquina que já não pára nem anda para trás. Portanto, as horas de trabalho vão deixar de ser fator fundamental, para passar a ser a criatividade e a capacidade de fazer coisas diferentes nas horas em que se está a trabalhar. Logo, eles estão no caminho certo. Mas quando surgem estas alterações há sempre momentos de crise, ponto de vista de alteração de paradigmas, como se chamava na epistemologia. Nós estamos a viver e vamos vivê-la nos próximos anos, mas para já essa geração ainda representa uma percentagem pequena da população ativa nas empresas que existem no mercado, mas no momento em que estejam a passar da minoria para maioria, vai haver uma crise – muita gente a sentir-se perdida, muitas organizações (até algumas grandes e estruturadas) que vão cair como “baralhos de cartas” – vai ser uma (r)evolução difícil. Temos que estar atentos a esta revolução e sabermos adaptar-nos a ela. Eu, pessoalmente, há alguns anos, comecei a fazer investimentos em start-ups, não tanto com o objetivo de ganhar dinheiro, mas sobretudo para não me tornar obsoleto. Eu sinto que a minha geração se arrisca a chegar aos 45 anos e a estar obsoleta. E, portanto, como não tenho tempo no meu dia-a-dia para investigar tudo isso, pensei que a melhor forma de o fazer é colocar lá o meu dinheiro. Então decidi fazer esse investimento para estar exposto a tudo isso, porque este vai ser o paradigma daqui a algum tempo. Também eles e estas organizações vão ter que se adaptar ao longo do tempo e fazer alterações, porque vão constatar que certos ideais não conseguem “sobreviver”, mas outros vão conseguir ter muito sucesso.
Como é que achas que as organizações, tal como tu, se podem manter atentas e não caírem como o tal “baralho de cartas”?
Cada uma encontrará as suas soluções e as suas estratégias, mas eu acho que há duas grandes estratégias que as empresas podem adotar para terem a oportunidade de conseguir fazer isso.
Uma são os Recursos Humanos. Verdadeiramente integrar equipas de RH que estejam despertas para estas evoluções e que ajudem aqueles que estão lá há mais tempo, como os que estão em Conselhos de Administração, Direções, a entenderem o que está a acontecer e a convencê-los a participar nessas alterações dentro da própria empresa.
Em segundo lugar, fazer o mesmo que eu estou a fazer: integrar outras empresas na própria empresa: M&As dessas empresas novas que trazem muita novidade e que podem trazer vantagens competitivas a vários níveis, mas que também vão trazer formas de estar diferentes. Aí é importante fazer M&As de formas diferentes do passado: não para abafar a cultura da empresa que está a ser comprada e apenas ficar com o produto a tecnologia que existe, mas um M&A em que se vai verdadeiramente beber também à cultura da empresa e das pessoas que lá estão, em que tentamos que o resultado seja uma evolução das duas. Acho que já várias empresas perceberam isto e estão a fazer este caminho.
Achas que os colaboradores, trabalhadores que estão no mercado de trabalho também já perceberam isso?
Acho que há de tudo. Já vejo gente muito desperta. Primeiro porque já sofremos uma situação altamente pesada e dura para as pessoas que a viveram – um mercado com um nível de desemprego brutal, algo terrível que espero que não voltemos a viver – mas que teve uma externalidade positiva: retirar as pessoas de estruturas de longo prazo e obrigá-las a olhar o mundo de forma diferente e terem que procurar soluções diferentes para os seus caminhos. Logo, as pessoas que fizeram esse caminho, hoje estão muito mais despertas e disponíveis para essas mudanças. Espero que as pessoas não esqueçam aquilo que tiveram que passar, mas pelo contrário que percebam que têm que estar constantemente disponíveis e abertas para a mudança de forma a estarem competitivas e a estarem adaptadas às novas realidades.
Por outro lado, há outras pessoas que não viveram isso, mas como veem atualmente as suas organizações em mudança, começam a ficar naturalmente despertas para essas mudanças. Não consigo precisar se representam uma maioria ou minoria, consigo perceber à minha volta que existe já muita gente aberta para acompanhar esta evolução do mercado, e com vontade de o fazer.
Por último, olhamos muito para ti como um defensor na natalidade, da educação, de ver a própria educação evoluir… Se pudesses deixar um testemunho/conselhos aos jovens talentos que estão a sair da faculdade e a ingressar no mercado de trabalho, o que lhes dirias?
Permitam-me “dar um passo atrás” e antes falar sobre um tema que me preocupa atualmente. A questão da natalidade do ponto de vista do país, e não global, é uma tragédia e tenho medo que já estejamos num ponto sem retorno. Nós estamos constantemente a diminuir o rácio de pessoas ativas versus o número da população total e isso torna absolutamente insustentável no médio prazo a organização económica deste país… Não entendo como é que isto não se tornou um tema de unidade nacional e de discussão generalizada, quando andamos a discutir temas de menor importância, e este tema tão simples como “Temos ou não, futuro para este país?”, nem sequer é discutido. Tenho a sorte de ser, neste momento, pai de 4 miúdos, sou muito feliz com essa realidade, mas aquilo que sinto é que os apoios que tenho neste momento são perto de zero. E se neste momento consigo dar aos meus filhos uma educação que me parece boa (eles andam na escola pública), a verdade é que percebo que pessoas que tenham menos sorte do que eu, não consigam ter filhos, ou ter mais do que um filho, porque a sociedade não está minimamente organizada para dar apoio a famílias um pouco mais alargadas. O próprio estado não estimula minimamente a natalidade e os poucos benefícios fiscais que havia, foram retirados. Eu acho que estamos a fazer tudo errado. Não tenho o caminho certo, mas sinto isto como uma verdadeira tragédia, estamos a chegar ao ponto sem retorno e estamos terrivelmente atrás de outros países, como Países Nórdicos, até Espanha. Se, neste momento, tivesse que pôr um tema com desígnio nacional, era o tema da natalidade. E se os especialistas entendem que neste momento já estamos num ponto sem retorno, devíamos ter ao menos outro desígnio nacional ligado a esse, que é a Imigração: nós precisamos de pessoas cá dentro! E se não geramos oportunidades, temos que tornar o nosso país interessante para receber o próximo. E temos tantas “coisas boas” que temos que nos tornar mais ativos. Temos neste momento muitas empresas que não estão a conseguir desenvolver projetos por falta de mão de obra. E sendo que ainda estamos numa altura “tranquila”, não sei onde é que vamos buscar a nossa mão-de-obra daqui a 10 anos, porque a quantidade de pessoas que vai sair do mercado de trabalho, é muito maior face à quantidade de pessoas que vai entrar nos próximos 10 anos… Já nem falo no tipo de cursos versus a necessidade do mercado, porque acho que as pessoas se adaptam e que acabam por fazer coisas diferentes da sua área de formação. Empresas que pensem no longo prazo terão que pensar muito bem no tipo de investimentos que fazem cá. Porque se fizerem investimentos brutais, e depois não tiverem pessoas para trabalhar cá, estamos a falar de tomadas de decisão irrealistas, incorretas e economicamente insensatas. Como sabemos que a maior parte das empresas pensa no longo prazo, estamos a criar um problema. Se não conseguimos pelo menos na natalidade inverter esta situação, devemos investir na imigração. Se felizmente ainda não temos cá situações como aquelas que começamos a encontrar na Europa, com as “extremas direitas” a ganharem um poder fortíssimo e o xenofobismo a crescer, o que para mim é algo incompreensível, então publicitemos isso, aproveitemos essa nossa vantagem! Porque sim, as pessoas podem vir para cá sem serem postas de parte.
Que conselho posso dar a quem neste momento esteja a sair da universidade? Baseado na minha experiência, diria às pessoas que estão agora a sair da faculdade que procurassem empresas que os abrissem para o mundo e para outras realidades, para que depois possam eles ser também fator de mudança nos sítios para onde venham fazer carreira. Em vez de procurarem um sítio mais tranquilo ou seguro, ou simplesmente um salário mais alto, pensem nos primeiros empregos como uma “segunda formação”, um investimento, algo que lhes vai permitir crescer mais, mesmo que não no imediato. Atualmente com as mudanças, creio que aquilo que vejo de menos positivo nesta nova forma de estar é a procura do “imediatismo”, do querer atingir imediatamente aquilo que é o seu objetivo de longo prazo. Isso cria muitas vezes problemas auto gerados de frustração, dificuldade em gerir as expectativas, e depois a internalização de todos esses fatores que leva a grandes problemas psicológicos. Acima de tudo aconselharia os jovens a pensar mais no longo prazo, e a tentar ingressar em organizações que os façam crescer como pessoas, como talento, ao invés de buscarem o “imediatismo” de terem o estilo de vida ou o salário que querem logo desde o primeiro dia que entram na empresa, porque podem arriscar-se a estar a fechar-se e não a abrir-se. Mas continuem a ser exigentes como estão a ser e a obrigar as organizações a adaptar-se, portanto é uma batalha que devem continuar. Eu sei que pode parecer contraditório, mas existe um equilíbrio possível para as pessoas também.
Tudo mudou tanto desde há 18 anos que foi quando entrei no mundo de trabalho, que posso até estar enganado. Já não me sinto com direito de dizer como é que eles têm que pensar, mas se estivesse a dar um conselho aos meus filhos sobre o mercado de trabalho, isto era o que eu lhe diria. Lembro-me de que quando eu entrei no mercado de trabalho, os meus pais achavam que o melhor era eu ir trabalhar para as finanças, porque era o mais seguro e garantido. Quando falávamos do assunto, tive o respeito de lhes dizer que estavam completamente enganados e não tomei essa ideia em consideração, porque estaria fora das “águas em que eles navegam”. Provavelmente, também estarei “fora das águas em que os meus filhos navegarão”, e portanto, acho que é uma prerrogativa de nós, os mais velhos darmos os nossos conselhos, e uma prerrogativa dos mais novos de não os ouvirem!
Obrigado João e obrigado a todos, esperamos que tenham gostado tanto como nós de fazer esta viagem!